EconomiAberta

03 agosto 2005

Salas de convívio

Como trabalhador independente, uma boa parte das minhas tarefas profissionais são actualmente realizadas em casa. As vantagens são evidentes. Ao contrário daquilo que sucede com a maioria dos portugueses, tenho sala de convívio com sofá, revistas e jornais. Tudo isto acrescido de um sistema de som onde, nos intervalos, posso escutar aquilo que me apetece sem ter de fazer concessões a coleguinhas que talvez preferissem o Robbie Williams a um clássico de "jazz". É verdade que nem sempre há fruta. Mas sendo eu patrão de mim próprio, sei que os processos reivindicativos são simples de resolver. Estou sempre disponível para ouvir as minhas próprias queixas e aposto que ninguém que trabalhe por conta de outrém se pode gabar do mesmo grau de disponibilidade por parte dos seus chefes.
Não sei se nos países nórdicos os locais destinados pelas empresas aos momentos de convívio de quem nelas trabalha têm melhores condições. É provável que sim. Apesar das aparências que suscitam a condescedência dos mais ferrenhos adeptos do socialismo, é o sistema capitalista que vigora nessas nações onde, além de mulheres míticas de cabelos dourados, se produzem bens que, tal como a pasta medicinal Couto, andam na boca de toda a gente devido aos seus preços e qualidade competitivos. Provavelmente, uma visita às fábricas da Volvo ou da Nokia permitiria vislumbrar, com os óculos ideológicos adequados, que as tais salas de convívio talvez não passem, afinal, de uma forma subtil de manter os colaboradores amarrados durante mais tempo às respectivas empresas. Iludidos pelas preocupações sociais dos seus empregadores, deixar-se-iam ficar, quiçá negligenciando os seus afazeres domésticos e as suas obrigações familiares. E, já se sabe, quem não se balda do local de trabalho assim que conclui as suas tarefas arrisca-se a ser recrutado para dar uma ajuda naquilo que houver para fazer.
Posto isto, o facto de as empresas portuguesas negligenciarem, alegadamente, o investimento nas suas salas de convívio parece-me ser uma estratégia dois-em-um, plenamente eficaz sob os pontos de vista social e económico. Por um lado, o mobiliário decrépito e a ausência de motivos de dispersão da atenção abreviam os intervalos, o que contribui certamente para evitar que os índices de produtividade em Portugal sejam ainda piores do que aquilo que já sucede. Em segundo lugar, nenhum patrão parece estar interessado em promover a permanênia na empresa para além do horário de trabalho, o que teria maiores hipóteses de acontecer se as controversas salas de convívio competissem, em conforto, variedade de bens culturais e, até, em matéria de oferta gastronómica, com os lares de cada um. Eu sei que em Portugal há muita coisa incompreensível, mas apontem-me o gestor que incentiva os seus empregados a fazerem horas extraordinárias e eu jamais voltarei a escrever neste blog.

1 Comments:

  • "apontem-me o gestor que incentiva os seus empregados a fazerem horas extraordinárias e eu jamais voltarei a escrever neste blog".
    Não quero calar-te (antes pelo contrário) mas deixo uma pergunta: os directores de jornais contam? :-)
    MB

    By Anonymous Anónimo, at quinta-feira, agosto 04, 2005 4:48:00 da tarde  

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